quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Explicações Iniciais

Depois de diversos pedidos, e algumas ameaças, decidi fazer um blog para facilitar a divulgação dos meus trabalhos.

Aqui vocês irão encontrar um pouquinho do meu trabalho em doses homeopáticas.

Sirva-se!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Obersione



Era uma noite de sábado como todas as outras, embora os noticiários tivessem dito o contrario; a tempestade que atingia Curitiba parecia não acabar.
O bairro de Medison fora, em outras épocas, um bairro perigoso, onde a criminalidade tomava conta impunemente, um bairro de periferia dentro da capital do Paraná.
A chuva caia forte, ao longe, podia se ver uma forte luz, esta que vinha do internato municipal de Medison, uma espécie de colégio interno para crianças. O brilho imponente em meio a escuridão estava só, era a única luz que se avistava em todo o quarteirão. Uma janela iluminada.
A tempestade dificultava a visão do internato, que só podia ser visto quando um raio rompia a escuridão. Uma solitária figura humana observa de longe a janela iluminada. Um homem, em uma de suas mãos segurava fortemente um guarda-chuva, que o vento teimava em tentar içar. Lentamente colocou a outra mão no bolso da calça. Tirou dali uma faca.
Olhou mais uma vez para a janela, seus olhos negros encheram-se de lágrimas, o sabor salgado tocou-lhe suavemente a boca, engoliu e começou a andar em direção do antigo prédio. Um raio rompeu a escuridão.
== == == ==
Ana olhou para as crianças, eram doze, não podia ouvir seu namorado André, que reclamava ao telefone, com tom de voz áspero pediu para as crianças pararem de fazer bagunça. Elas deram os ombros, e continuaram a gargalhar com as palhaçadas do Jonny Bravo, no canal infantil da TV.
Ana suspirou, disse que logo conseguiria um tempo para passar com André, que tudo isso iria passar logo, as coisas iriam melhorar. Um raio eclodiu pela janela, as luzes apagaram, as crianças começaram a gritar, Ana fez um movimento para acalmá-las, quando, de súbito, mais rápido do que se foi, a luz voltou, e o Jonny Bravo continuou pulando na TV.
== == == ==
No andar inferior tudo estava tranqüilo. Na porta de entrada um crucifixo pendurado onde jazia a figura de cristo, um crucifixo pequeno, um raio iluminou toda a sala, e o rosto do cristo crucificado; de súbito a maçaneta da porta virou, trancada. Outro raio, Ana teve a impressão de ouvir algum barulho, mas deu de ombros. Outro raio cruzou o céu rasgando as trevas.
Na sala a porta ainda estava trancada, o mesmo, porém, não acontecia com a janela, que estava totalmente aberta. A chuva que até inundava lá fora, agora, caia também dentro da sala.
O invasor olhou para o relógio que quebrava tristemente o silêncio da sala, foi quando viu um vulto, que se movimentava lentamente bem atrás dele.
O invasor mordeu os lábios, serrou os dentes e segurou fortemente a faca, respirou fundo e virou abruptamente para seu opositor, um raio iluminou toda a sala, o invasor caiu sobre seus próprios joelhos, respirando rapidamente, era um espelho.
A tempestade castigava o solo, raios e trovões disputavam o céu, uma luta continua, dura e sem possibilidade de trégua.
== == == ==
Todos diziam que André era um cara estranho, de maus hábitos, um tipo de poucos amigos e palavras duras, Ana não se importava com isso, ela verdadeiramente o amava, foi a ultima frase que disse antes de desligar o telefone.
Escondeu o sorriso e disse para as crianças desligarem a TV. Todas protestaram. Uma das crianças pediu um copo de água, Ana desceu para buscar.
No andar debaixo o invasor estava subindo a escada, quando ouviu o barulho da porta de cima, desceu rapidamente a escadaria e se escondeu no pequeno vão da mesma.
Ana desceu lentamente, degrau por degrau, uma mão no corrimão e a outra tateando a parede. Tinha medo de cair. O sétimo degrau estava solto, pisou nele com cuidado, ele protestou soltando um ranger doloroso, Ana travou a mão contra a parede; já havia ouvido diversas histórias de pessoas que conseguiam se matar dentro de casa, passou para o oitavo degrau; o nono, a descida, daqui para frente, seria mais tranqüila.
Seus olhos ainda não estavam acostumados com a escuridão, maldito interruptor antigo, havia deixado de funcionar a semana passada e nunca mais voltara. Nota mental: Comprar velas ligar para um eletricista.
Ela adentrou a sala e passou direto para a cozinha. Não reparou o invasor no vão da escada. Não percebeu a faca em sua mão. A escuridão escondeu seu sorriso carregado de maldade.
Colocou um copo debaixo da torneira do filtro, e pensava em André, como ele era carinhoso, atencioso. Lembrou de sua ultima briga, instantes atrás. Ele havia sido duro, palavras secas, palavras duras. Nada que uma deliciosa noite de amor não resolveria. Ana conhecia muitas "maneiras" de deixá-lo feliz. Perdida nesses pensamentos foi interrompida pela água, que o copo não conseguiu conter. Fechou a torneira. Começou a andar em direção da sala.
Teria subido as escadas não tivesse se arrepiado com o vento gelado em suas costas. Olhou para a direita, janela aberta. Fez menção de fecha-la, quando tomou um susto; deixou cair o copo. No chão havia uma poça de água encharcando o carpete, da poça uma pequena trilha, passos; passos humanos. O mundo girou, uma voz gritou dentro de seus mais íntimos pensamentos:
"As crianças! "
Foi a única coisa que conseguiu pensar enquanto subia as escadas correndo. A porta estava entreaberta, Ana a empurrou, respirou fundo e entrou, aparentemente estava tudo normal. Aparentemente.
Olhou diretamente para as crianças, estavam sorrindo. Subitamente pararam de sorrir. Sentiu uma pancada forte na cabeça. Caiu.
Levando a mão até a testa, sentiu um crescente arder, olhando para a mão viu: Sangue. Outra pancada na cabeça, seu queixo tocou fortemente o solo. Mais sangue, dessa vez o que saltou de sua cabeça, tingindo a parede, que deixou de ser branca.
As crianças começaram a gritar, tentou se levantar, num esforço em vão apoiou as mãos no chão. O sangue já cobria um dos olhos, tentou enxergar pelo outro. As crianças gritavam. Gritos de medo. Gritos de dor. Outra pancada na cabeça, seu corpo fervia, queimava com o sangue jorrando, ela olhou para as crianças, uma barra de ferro caiu na sua frente, ela viu um homem de costas andando em direção das crianças.
Acabou! – Disse o invasor.
Seus olhos se fixaram num detalhe. Um tênis azul. Um tênis conhecido.
Tentou gritar, perguntar porquê, a voz não saia, ela o viu puxar a faca, foi a última coisa que viu, antes que seu corpo perdesse a vida.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Esperanza - Capítulo II

II

Alguns minutos passados da cerimônia fúnebre, estávamos reunidos longe das covas. Diocleciano ditava toda a estratégia para salvaguardarmos nosso posto.
Enquanto ele falava, eu olhava para o horizonte tentando enxergar além das enormes dunas que se arrastavam infinitamente ao longe.
Esperava ver nossos perseguidores. Embora tenhamos nos distanciado deles, ainda estavam em nosso encalço. Poucos minutos agora nos separavam de uma nova batalha.
– Tom? – Disse Diocleciano: – Você está prestando atenção? Como se acordado de um sonho, que nunca queremos deixar, despertei para as palavras de Del.
– Os Germanos terão que passar por aquela estreita ponte de madeira, obrigando-os a se afunilar para atravessá-la. O Leito do Rio Jordão esta quase seco, mas descer até o seu leito seria algo que nem os Germanos tentariam.
Apesar de seu jeito agressivo, eu gostava de ver Diocleciano falando aos irmãos. Ele conseguia reter a atenção de todos, todos menos um: Marcelo Bertinetti, o homem de maior fé entre todos nós.
Não importava o quanto às ordens fossem vitais, Marcelo estava sempre rezando. Dizia não precisar das orientações, pois toda a orientação que necessitava vinha direto do SENHOR. E essa sua enorme convicção lhe custou à chance de partir com De Molay e os outros cavaleiros na noite anterior.
Acredito que a decisão de deixá-lo para traz tenha algo a ver com sua baixa atuação na batalha de ontem. Como sempre Marcelo não prestou atenção nas ordens e acabou se distanciando da formação combinada. Foi assim que perdemos Tobias. Marcelo cavalgava no sentido inverso da formação, conseguiu abater diversos inimigos, mas acabou cercado por eles. Tobias conseguiu evitar que um Germano separa-se a cabeça de Marcelo de seu corpo. Mas acabou sendo derrubado do cavalo. Tobias levantou-se e lutou até a morte. Nada pudemos fazer. Quando vimos ele já havia morrido. Um Germano cortou-lhe à cabeça e a ergueu como um troféu. Nunca esquecerei da tristeza estampada nos olhos de De Molay.
Ver Tobias, que era um cavaleiro muito mais valoroso que Marcelo, morto fez De Molay irritar-se de tal modo que decidiu deixar Marcelo junto com os demais. Deixá-lo para traz. Deixá-lo com os fracos. Abandoná-lo a própria sorte.
As palavras de Diocleciano continuavam mostrando como nosso pequeno grupo teria muita chance de rechaçar os ataques, desde que aproveitemos nossa posição geográfica.
Todos prestavam atenção nas palavras, concentrados, temerosos. Foi quando Del olhando para o horizonte parou de falar. De boca aberta ele ficou ali, parado, olhando para o Norte. Demoramos alguns segundos a perceber o que havia feito Del parar de falar. Uma enorme nuvem de poeira se movia lentamente na tênue linha que separava o céu do deserto escaldante. O calor fazia com que toda a paisagem torna-se turva. Mesmo assim era possível vê-los: um batalhão. Um batalhão Germano. Vinha nos destruir.
O cerco havia começado. Deus tenha piedade de todos nós.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Esperanza - Capítulo I

I


O Sol do meio-dia arde em nossas cabeças.
O Som oco das pás tentando cortar o solo duro dessa terra amarga e triste, me faz pensar sobre perguntas que meu coração faz a Deus todos os dias, desde o inicio desta minha humilde existência. Nenhuma resposta.
Somos apenas oito para enterrar todos os outros quatorze cavaleiros mortos, foi uma batalha muito difícil. Cavaleiros jovens demais e outros velhos demais agora esperam por sua cova. Sua ultima morada. Seu descanso final. A sua parte na partilha.
Meu nome é Thomas, sou o que podemos chamar de um mestiço, um filho bastardo da união forçada entre nobre e uma plebéia. Minha mãe, que descanse em paz, vivia uma vida de agruras e decepções que somente quem vive no deserto escaldante pode sentir.
O contato com meu pai fora muito breve. Um estupro. Um ato vil de violência de um nobre viajante para com uma mulher solidária que somente lhe oferecera água.
Anos de dissabores colecionei durante minha infância ao lado de minha mãe, que após meu nascimento foi acometida de uma dolorosa doença que a consumiu.
Ainda era jovem quando ela se foi. Conheci meu pai nesse dia, um Cavaleiro do Templo de Salomão, imponente, altivo, com sua capa branca e a cruz vermelha. Era muita arrogância da parte dele vir até aqui depois de todo o sofrimento que nos havia feito passar. Disse-me que havia se tornado Cavaleiro para se redimir de seus pecados. Meu pai ficou ali parado esperando pelos atos fúnebres de um humilde padre que viera realizar a cerimônia a seu pedido. Foi um enterro simples, sem muitas honrarias para minha mãe. Somente o suficiente para que ela encontra-se o caminho.
Os cavaleiros esticados hoje, na minha frente também não teriam tais honrarias, apenas uma pequena cerimônia feita por nós mesmos, seus irmãos do Templo. Covas rasas no meio do nada. É assim que Claudius se refere a esse lugar. Nada no meio de nada. Suas reclamações não ajudavam aos demais cavaleiros cavar com maior empenho. Diversas vezes pedimos para que se calasse. Diocleciano quase o fez calar pela força. Este eram seus modos. A espada falava por Del.
Todos nós já estávamos muito cansados por causa dos diversos dias de caminhada pelo deserto, na verdade o ritmo dessa caminhada foi muito mais exaustivo por estarmos fugindo de um grupo de Germanos que nos perseguiam há dias.
Na noite anterior, logo após uma sangrenta batalha, conseguimos nos distanciar o suficiente para organizar melhor nossas ações. Foi uma batalha difícil onde perdemos diversos dos nossos. A maioria abandonada no campo, os abutres seriam suas covas. Os poucos feridos que conseguiram escapar estão todos entre nós. Adriano é o único ferido que ainda anda, agora cavando as covas dos outros.
Muitos caíram frente ao inimigo. Muitos se sacrificaram em nome do Estandarte de Cristo. Muitos irmãos, muitos amigos, todos mortos.
No deserto um simples corte pode se tornar uma terrível ferida que jamais cicatriza. Eu mesmo ainda carrego com pesar um corte profundo causado por uma lança inimiga. Sempre que cavalgo dói. Dói muito. Felizmente não terei mais que cavalgar.
– Já está bem fundo. – Disse-me Adriano fincando sua pá ao lado da pequena cova que havia cavado.
– Acho que aqui também já acabamos – Respondeu Claudius.
Todos pareciam querer parar de cavar. O cansaço nos consumia a cada batida da pá contra a terra. O sol, indiferente, queimava a terra com seus raios cortantes. Deus podia tê-lo feito girar em torno da Terra a uma distancia maior.
Os sons das pás foram diminuindo dando lugar ao som das lamentações de Claudius:
Eles podiam ao menos ter nos ajudado antes de partirem.
Cale-se Claudius, tente respeitar os mortos. – Bradou Diocleciano, que continuava cavando uma cova. Aliás era o único que não havia parado de cavar. Sua convicção parecia inabalável.
Debrucei-me sobre a pá tentando esconder o cansaço que me consumia. A dor do ferimento em meu peito ardia cada vez mais.
Começamos finalmente colocar os corpos nos buracos tomando cuidado para cobri-los o mais dignamente possível. Seus mantos cobertos de sangue e terra não seriam lavados, seus pés e corpos também não receberiam o mesmo tratamento. Somente seus corpos seriam cobertos pela cruz em seus mantos. Eram Pobres Cavaleiros do Templo de Salomão, mereciam todas as honras por seus sacrifícios. Não teriam.
Improvisamos a sagração de uma missa. Alguns de nós rezávamos o Credo enquanto os outros cobriam os corpos com terra.
– Do pó ao pó – Balbuciou Claudius.
Marcelo Bertinetti, o mais crente entre nós largou a pá e posicionou-se em frente às covas. Fez um sinal da cruz e começou:
– O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias.
Marcelo terminou a oração fez o sinal da cruz e finalmente o silencio tomou conta de todo o lugar. Silencio doloroso, frio.
Ficamos ali, em pé, sob o sol escaldante. Tentando não chorar. Adriano simplesmente se entregou aos sentimentos. As lagrimas tímidas se tornaram dolorosos soluços e gemidos.
Todos acabamos chorando internamente. Todos se olharam.